Hong Kong

         Doze de dezembro  de 1998. Há cinco meses aterrizamos em Hong Kong, ou melhor, o avião  aterrizou  e nós continuamos ”voando”  no ar quente  e úmido  deste patropi  oriental.
Após dez dias de hotel, alugamos um apartamento onde nos acampamos durante mês e meio ‘a espera de nossa mudança que vinha do Brasil, navegando por mares onde nunca dantes flutuara. E ainda hoje estamos desacampando, desfazendo de caixas, tentando ajeitar a traquitana toda em metade do espaço de que dispúnhamos em Brasília. E estas coisas, parecem ter inteligência e vontade! Umas se adaptam logo ao clima e ao espaço que lhes é reservado. Outras ficam pelos cantos, de cara emburrada, como que nos pedindo que lhes demos um lugarzinho melhor.
E a sensaçao de estar do outro lado do mundo, de cabeça para baixo, é bem estranha.
Felizmente Hong Kong nos acolheu muito bem. Aliás, nos surpreendeu em quase tudo. O que lêramos sobre a cidade e o que conversáramos com pessoas que já a haviam visitado nos deram apenas uma vaga idéia daquilo que encontramos in loco. Cidade diferente, e mujito, de
todas quantas conhecíamos por esse mundo afora. Tem ago do Rio de Janeiro, com suas montanhas de formas arredondadas, a presença marcante do mar, embora, aqui, sem praias. Tem os bondes, saudosos bondinhos do Rio mais antigo. Lembra Nova Iorque pelo conjunto arquitetônico e vida fervilhante. O clima quente e úmido, a vegetação tropical, o comércio a céu aberto, têm alguma coisa a ver com Manaus e Belém. No entanto, também muito diferente de cada uma delas. A começar pelo trânsito que anda certo pela contra mão
(claro, se é colônia da Inglaterra!). Vai lento, empacotado, organizado. Mil e oitocentos Rolls Royces trafegam pelas ruas Mercedes sem conta, Lancias, Ferraris, BMWs e todos os top models japoneses e, acredite, um fusquinha brasileiro! Outro dia o vimos, assustado e perdido como cego em tiroteio, bem no centro da cidade. Ônibus de dois andares e os enfeitadísimos, encantadores bondinhos que andam aos bandos, antiguidades que trocaram os museus pelas ruas. E o povo, comprimindo-se nas calçadas, empurrando, tropeçando, trombando, fazendo destas ruas, ondulantes e coloridos dragões chineses.
Cidade laboriosa, sem lugar para malandros, vagabundos e desocupados. Seja o vendedor ambulante, o peão-de-obra, equilibrando-se em andaimes de bambu, seja o jovem executivo com jeito d ”yuppie”, empunhando seu telefone celular, seja a secretária de salto-alto e tailleur de griffe, todos trabalham. Aqui acabaram com o m9ito de que clima tropical produz população apática e preguiçosa. Há dois mendigos na cidade m que confirmam a regra da exceção. Pivete, ainda não vimos nenhum. Disseram-nos que estão nas escolas, nos grupos de escoteiros, nas Cruzadas Eucarísticas das Igrejas.
E tivemos que aprender a caminhar na multidão. Em certos pontos da cidade, você não caminha. É arrastado. Cada esquina é uma saída de Maracanã em dia de Fla-Flu. E o mais difícil não é andar. É parar. Praticamente impossível, a não ser nos sinais de trânsito. Uma paradinha frente a uma vitrine provoca um tremendo engarrafamento de pedestres. Outro dia,
deixei cair das mãos um molho de chaves. Abaixei-me para apanhá-lo e quem foi que disse que consegui me levantar! Tive de percorrer dois quarteirões, de gatinhas, até encontrar uma clareira para me levantar. E andar duas pessoas juntas nesse trânsito, é complicado. Três, então, nem pensar! O melhor é marcar um lugar de encontro e tentar chegar lá sozinho. Mãos dadas, braços dados, é desaconselhado. Arrisca-se a chegar em casa sem eles. O direito de ir-e-vir é respeitado e desfrutado em Hong Kong, exceto nas esquinas. Ao parar num cruzamento, várias coisas podem acontecer, menos conseguir uns atravessar para o lado que você quer. Ao abrir o sinal, duzentas mil pessoas disputam resalguns metros quadrados de faixa para pedestres. Se você vacilar, será inexoravelmente arrastado para onde não quer ir. E não é raro ir-se de um lado ao outro da rua flutuando a um metro do chão. A primeira vez que isto aconteceu conosco foi em frente ao hotel, no dia de nossa chegada ‘a cidade. Ao sermos alçados ao ar, pensamos fosse alguma manifestação popular de boas-vindas. Ao ”atrrizarmos” do outro lado da rua, descobrimos que nossas malas e embrulhos tinham ficado sob os pés da multidão. No dia seguinte, ainda pudemos ver no local os fragmentos do que havia sido a bagagem-de-mão que nos acompanhara por vinte e cinco horas desde que nos embarcamos no Brasil.
Outra coisa bastante frequente é o ser arrastado até o meio da rua e voltar de costas, empurrado, no peito, até o lugar de onde você saíu. Ainda bem que em Hong Kong você não precisa propriamente atravessar rua. Em primeiro lugar porque no mesmo quarteirão onde estiver, você encontra tudo de que necessita – banco, supermercado, restaurante, padaria, dentista, médico, farmácia, lavanderia, chaveiro e cabelereiro. E depois, porque os shoppings
do centro da cidade são interligados por galerias suspensas sobre as ruas.
Tudo isto é Hong Kong. Uma cidade organizada, um grande circo muito sério. É bela e fera, fragrante e malcheirosa, sensual e recatada. Como diz meu filho, ”it smells food and money”! E os chineses alimentam-se bem. Há trinta mil restaurantes na cidade. Tudo que tenha asas e pernas, eles comem, exceto avião, mesas e cadeiras! E a sua dieta contém algum segredo que desconheço. Não é possível! As chinesas são magérrimas, modelares. E se vestem de acordo, discreta e elegantemente. Aliás, Hong Kong despiu-se o tradicional chinês, mas não sucumbiu ‘a avalanche do jeans, do tênis e da t-shirt de mau gosto.
Mas, não se preocupem. Este retrato caricato está longe de espelhar de maneira completa o que realmente é esta fascinante sino-quase-ex-metrópole britânica. E aí vão algumas sugestões que poderão ser úteis ao visitante menos avisado –

1 – Trazer uma foto ampliada (60 X 60) da família e um mastro de três metros de comprimento. Ao sair ‘a rua, ata-se a foto ‘a ponta do mastro. No caso de alguém se perder na multidão, levanta-se o mastro com a foto para que o perdido se encontre.

2 – Apito ou corneta poderão ajudar em áreas mais tranquilas da cidade. No centro e áreas comerciais serão inúteis. Ninguém escuta ninguém. O barulho dos bondes, ônibus, buzinas,
britadeiras, furadeiras e a gritaria dos chineses – o diapasão deles é de duas escalas acima do que é normal para nós – suplantarão qualquer tentativa de comunicação sonora.

3 – Não pare nunca na calçada quando a multidão estiver em movimento.

4 – Para abrir caminho na multidão, use os cotovelos bem abertos, a ponta do guarda-chuva ou a ponta do mastro da foto.

5 – Para atravessar uma rua há três alternativas –
A) Brigar comj 200 mil pedestres que querem fazer o mesmo (brigar com você!)
B) Aguardar até duas ou três horas da manhã, quando o trânsito melhora sensivelmente.
C) Usar uma galeria suspensa ou passarela, que estão por toda a parte na cidade.

2 Comentários

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2 Respostas para “Hong Kong

  1. Oi tio, sou amigo do Kalimar de Brasília.
    Estudei com ele no Maristão.
    Ele me mandou o link do seu blog hj,
    li e adorei o Hong Kong!!!!!!!!!
    Maravilhosamente contada,
    a mágica vida corrida e atribulada
    dos proto-chinêses que não comem em casa.
    Visualizei tudo! 😉

    vou repassar o link pra um pessoal q curte literatura.
    Um abração pra ti r pra tia.
    Cris

  2. Saulo Maia

    Olá,
    Sou Maia de Parapeúna também, mas não sei se já ouvi falar do senhor. Meu pai, conhecido como Gainha (Luiz Gonzaga), é filho da Dona Mariazinha e do já falecido Felipe, porém, saiu do município cedo em busca de melhores oportunidades. Vagou por umas 10 cidades e, nessa “errância” toda, fui nascer em São Bento do Sapucaí. Hoje estamos em Lorena, mas na prática eu moro mesmo em Itajubá, onde estou cursando minha faculdade.
    Gostei muuuuito do seu texto. Parabéns mesmo! Muito engraçado!
    E, além deste, gostei muito dos outros também, adoro seus temas, adorei seu estilo simples e jeitoso de escrever!
    Caso algum dia eu chegue a conhecê-lo de fato, desde já, é um prazer tê-lo como parente!

    Abraços!

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